O CORTE
Drama. Bélgica. 2005. Direção de Costa-Gravas
Após quinze anos de leais serviços como executivos de uma fábrica de papel, Bruno D. é despedido.Três anos se passam sem que ele encontre um novo emprego. Agora ele está disposto a tudo para conseguir um novo posto, transformando-se em um assassino frio e calculista. O filme retoma a temática do trabalho, só que agora sob a perspectiva da Europa contemporânea.
CRÍTICA:
Bruno Davert (José Garcia) é demitido da empresa onde trabalhou por 15 anos quando esta passa por uma redução de pessoal antes da transferência de sua sede para o leste europeu. Depois de dois anos desempregado e sem vislumbrar possibilidade de sucesso profissional, ele resolve tomar o cargo de um engenheiro de papel da mais próspera indústria do país, a Arcadia. Para isso, elabora um plano macabro: eliminar os cinco principais concorrentes a essa vaga e, é claro, o seu atual ocupante.
O Corte, filme lançado em 2005, conta com um fino humor negro, presente nas trapalhadas deste desempregado na eliminação de seus adversários pelo emprego. A adaptação do livro do americano Donald Westlake, sob a direção de Costa Gavras, é uma crítica ao capitalismo que rege a nossa sociedade atualmente. Ela mostra a ganância corporativa que acirra a concorrência e o medo do cada vez crescente desemprego. Tais situações são formadas pela busca desenfreada pelo consumo, numa sociedade em que “ter” é o verbo mais admirado.
De acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, “As pessoas não são excluídas porque são más, mas porque outros demonstram ser mais espertos na arte de passar por cima dos outros”¹. Assim é a sociedade capitalista, onde um estranho “darwinismo social” faz prevalecer a máxima de que “só os fortes sobrevivem”. Logo, observamos tal situação na última película do grego.
O diretor brinca ainda com os clichês de filmes americanos, onde a TV mostra sempre notícias sobre o assunto interessante aos personagens (a propaganda da fábrica de papel Arcadia e o noticiário sobre a morte de um dos concorrentes de Bruno, por exemplo). Ainda, uma campanha publicitária que nunca chega a ser totalmente compreendida pela audiência pontua vários momentos numa crítica muda ao consumismo (outdoors e um caminhão que passa com a propaganda, quando a câmera abandona a cena principal para seguir o veículo).
O roteiro, elaborado por Costa Gavras e Jean-Claude Grumberg, certamente é o ponto mais alto nessa obra, tendo inclusive recebido indicação ao César de Melhor Roteiro Adaptado. Também se trata de uma novidade no cinema de Gavras, famoso pela feitura de filmes com cunho político e social, aqui há um registro inédito em sua carreira: a pincelada cômica na história tratada
Retratando a globalização levada às últimas conseqüências, O Corte é uma produção que quer fazer pensar. Reconvocando Bauman, poder-se-ia, assim, afirmar que “A globalização é excludente, traiçoeira, eliminadora. Ela causa morte, fome, desemprego e caos para milhões de seres humanos”², exatamente o enfoque que Gavras consegue em seu filme.
Fora da lógica hollywoodiana, o filme em momento algum se deixa levar pela filosofia maniqueísta. Por mais que o espectador julgue Devert culpado e criminoso, ele nunca chega realmente a odiar a personagem. Ainda que se crie a expectativa de uma punição, ela não acontece, e nem por isso desaponta. Não se encontra aqui a lógica da “culpa que termina em castigo”, doutrina do cinema clássico norte-americano.
Observando Bruno, ele é um cidadão comum, até medíocre. É o típico pai de família que, sem emprego para sustentar a casa, acaba um pouco deprimido e desmotivado, enfoque esse tão vulgar no cinema como um todo. Nem mesmo o rótulo de criminoso chega a ser tão pesado quanto o de “desempregado”. Contudo, a personagem se singulariza por levar às últimas conseqüências a metáfora de “acabar” com a concorrência, quando resolve matar seus adversários na luta por uma vaga.
Ele se destaca ainda pela frieza que consegue adotar frente às suas vítimas. Devert tem o distanciamento necessário de seus alvos (como na cena do terceiro homicídio, em que conversa um pouco com o garçom, mas decide que deve ir embora antes que esse diálogo “ameace sua sanidade mental”
Por fim, os outros papéis são bastante estereotipados, como a esposa, dona de casa, que precisa arranjar pequenos empregos miseráveis para manter a família. É uma mulher sem iniciativa que, mesmo estranhando o novo comportamento de Bruno, nunca o questiona e compactua com suas escapadas. Assim são também os filhos, uma garota e um garoto (a típica família classe média ocidental), cujos comportamentos refletem a dinâmica da vida do pai.
Costa Gavras consegue em O Corte uma crítica cheia de graça, mas que nem por isso deixa de levantar as questões tão importantes para o mundo atual. A principal delas talvez seja a supressão da ética, da moral, quando ainda preservamos o físico, mas não devotamos o mesmo valor à mente. Por enquanto.
Fonte: RUA- Revista Universitária do Audiovisual - Tariana Fernandes
Trailler e Crítica: http://www.youtube.com/watch?v=BEjFtOp3Dgk
08/05/2011
Drama. Brasil. 2004. Direção de Lucia Murat.
Aborda a relação entre presos políticos e presos comuns, dando origem ao Comando Vermelho que, mais tarde, passaria a dominar o tráfico de drogas. A ligação é feita por meio de dois personagens, Miguel (um jovem intelectual de classe média, preso político na Ilha Grande e, hoje, um deputado federal) e Jorge (filho de um sambista que, de pequenos assaltos, transformou-se num dos líderes do CV).
Quase dois irmãos, de Lucia Murat, é sobretudo um filme sobre conflitos. Conflito entre dois amigos de infância cujas vidas correram paralelas em similitudes e diferenças. Conflito entre caminhos que, como assinalou Borges, se bifurcam, pontuando a distância que há entre os sonhos que alimentamos e seus desenhos concretos. Conflito, enfim, entre duas épocas – o final dos anos 60, ápice autoritário da ditadura militar, e os dias de hoje, quando o país encurrala-se no impasse aparentemente sem solução do crescente poder e sedução do narcotráfico.
Os dois amigos, no caso, são Miguel (Caco Ciocler) e Jorge (Flavio Bauraqui), que se conheceram ainda crianças devido ao apreço entre seus pais – o do primeiro, um intelectual apaixonado pela cultura popular; o do segundo, um sambista negro e morador do morro. A ponte cultural sugerida já no princípio do filme é, pois, a união possível entre esses dois lados da frágil moeda social brasileira – e também o ponto de partida para a diretora investigar de que maneira acabamos chegando ao dilema que ora nos aflige.
A trajetória de Miguel e Jorge será acompanhada ao longo de suas histórias pessoais, sempre conectadas a um fundo político e centradas em dois momentos básicos: a convivência na Ilha Grande, onde foram enquadrados na mesma Lei de Segurança Nacional - respectivamente por motivos políticos e por assalto - e o reencontro na atualidade, quando um virou deputado federal e o outro, líder do Comando Vermelho. Murat repisa a tese de que o convívio de detentos comuns com os articulados representantes dos movimento de esquerda corroborou para o nascimento do chamado ‘crime organizado’. E renova, agora através da paixão da filha adolescente de Miguel pelo ritmo do funk e por um jovem traficante, o paradoxal vínculo de repúdio e fascínio que fração dos segmentos mais estudados mantém com relação ao que é marginal.
Assim, mais do que fazer um simples recorte a respeito de certos aspectos do Brasil sob a mão pesada dos militares, a diretora expõe dilemas que nos flagelam hoje, com a cisão entre a classe média insegura, refém do próprio individualismo, e o imenso contingente de pobres que, cada vez mais afeitos aos signos do consumo, optam por trocar anos de vida por algum glamour, nem que seja meramente local. Um glamour cujo financiamento é feito pela própria classe média, num moto-contínuo sem freio ou solução imediata. Esse dois mundos, que se esbarram com progressiva freqüência, são muito bem retratados no roteiro, assinado em parceria por Murat e pelo escritor Paulo Lins, ela ex-militante política, ele autor do romance Cidade de Deus.
Com uma competência técnica que (felizmente) não abdica da contundência, Quase dois irmãos explicita a conivência policial, a coexistência compulsória da comunidade com os criminosos, a violência gratuita de quem se crê onipotente, todos estes elementos que contribuem para o mérito do filme de não enveredar por otimismos cândidos, nem apontar dedos para nichos exclusivos. Pelo contrário. Se Murat concede ao Estado sua parcela de culpa, em contrapartida não livra a cara o indivíduo - cuja imagem, na produção, faz lembrar a “superfluidade” conceituada pela grande Hannah Arendt. Uma imagem que esboça impotência acomodada, como se nada que se diga, se queira ou se faça vá importar para a sociedade.
Entre as atuações, destaque para os elencos dos grupos Nós do Morro e Nós do Cinema, que representam os jovens do tráfico, e para Flavio Bauraqui, no ponto exato como o estrepitado Jorge. Merece citação a sensacional seqüência em que, diante da lancinante dor-de-cotovelo do amigo, ainda dentro da prisão, Jorge o consola, e consegue transformar a situação essencialmente dramática numa verdadeira catarse. O trabalho de Ciocler é prejudicado pelos traços um tanto estereotipados do militante de esquerda sessentista. Isso, embora seja possível especular se alguns deles não constituíam de fato estereótipos em si.
Em meio a tantas qualidades, é preciso salientar que Quase dois irmãos por vezes esbarra no didatismo e chega a abusar de metáforas à beira do lugar-comum. Um bom exemplo é a passagem em que os detentos da Ilha Grande propõem – e constróem – um muro que a partir de determinado momento dividirá o pavilhão entre presos políticos e os presos comuns. Desnecessária, a alegoria acentua o que já está bastante claro para o espectador.
São, entretanto, problemas menores num filme tão urgente quanto o estado de coisas que, mais do que apenas denunciar, procura compreender, numa abordagem à beira do documental, muito valorizada pela fotografia de Jacob Solitrenick. A câmera na mão possibilita a agilidade e o vigor adequados à trama. E, em alguns momentos, se permite vôos para além do realismo. É o que acontece num plano-síntese no qual Jorge, já alçado ao comando do tráfico, descansa em sua cela, coberto pela sombra das grades em contraluz. Sugestão sutil de que dentro da atual perspectiva não há liberdade possível; de que sua clausura estende-se para além do presídio, e o acompanhará aonde esteja ou para onde vá. Assim como a de Miguel. E infelizmente, talvez, como a de cada um de nós. (FONTE: críticos.com)
TRAILLER: http://www.youtube.com/watch?v=0mYVCbFKQ24
15/05/2011
OURO AZUL: World Water War
Documentário. EUA. 2009. Direção de Sam Bozzo
Documentário sobre a escassez de água no mundo, que demonstra como o planeta se aproxima “rápida e perigosamente” de uma crise mundial por este bem essencial à vida.
Inspirado no livro “Ouro Azul”, de Maude Barlow e Tony Clarke, o filme venceu seis Festivais Internacionais em 2009.
TRAILLER: http://www.youtube.com/watch?v=Ikb4WG8UJRw
22/05/2011
O CONCERTO
Comédia. Russia. 2010. Direção de Radu Mihaileanu
Há 30 anos atrás, o renomado maestro Andrei Simoniovich Filipov (Alexei Guskov) foi demitido da orquestra de Bolshoi, mas seguiu trabalhando por lá como auxiliar de limpeza. Um dia, ele acaba descobrindo que o Bolshoi foi convidado para tocar no Châtelet Theater, em Paris, e decide reunir seus antigos amigos para tocar no lugar da atual orquestra.
CRÏTICA:
O cineasta romeno Radu Mihaileanu conseguiu de novo. Depois de escrever e dirigir um dos melhores filmes dos anos 90 – O Trem da Vida – Radu apresenta seu genial O Concerto, filme coproduzido por nada menos que cinco países: França, Itália, Bélgica, Rússia e Romênia. Um verdadeiro tour de force europeu que traz como tema exatamente as aventuras, desventuras, ironias, dramas e comédias de tornar a União Europeia uma efetiva... união.
A idéia original é de Héctor Cabello Reyes e Thierry Degrandi, praticamente dois desconhecidos no mercado cinematográfico. Eles desenvolveram a incrível história de Andrey (Alekesey Guskov), famoso maestro da antiga União Soviética que, por motivos que só saberemos ao final do filme, caiu em desgraça com o então todo-poderoso premiê Leonid Brejnev, e hoje é apenas um faxineiro do Teatro Bolshoi, em Moscou. Tudo caminha melancolicamente na vida de Andrey, até o dia em que acidentalmente intercepta um fax encaminhado ao diretor do Teatro, solicitando a contratação da orquestra do Bolshoi para uma apresentação de gala no conceituado Teatro Châtelet de Paris. É a chance de sua vida! Sem imaginar as consequências, o ex-maestro decide enganar o verdadeiro Bolshoi e ele próprio se apresentar na capital francesa. Mas, para isso, terá de montar uma orquestra inteira... em 15 dias.
Assim tem início uma louca, divertida e satírica empreitada bastante parecida por sinal com a doce maluquice da proposta básica de O Trem da Vida: criar uma grande farsa para iludir e tirar proveito dos aproveitadores do poder. Em ambos os casos, de ambos os filmes, o humor e o imponderável estão a cargo do sarcasmo social. Mais do que formar uma orquestra de Brancaleone, o grande maestro na verdade rege aqui a própria identidade europeia, multifacetada, fragmentada, mas com talento e garra suficientes para criar uma união que - talvez - traga benefícios a todas estas pequenas e enraizadas culturas que se convencionou chamar de Europa. Uma fragmentação que encontra na perfeita sintonia obtida num concerto erudito sua mais fiel analogia.
E mais: o filme é um verdadeiro resgate da dignidade russa pós-esfacelamento da União Soviética. Num primeiro momento, a título de comédia, O Concerto parece até exagerar na dose de preconceitos contra os eslavos, pintando-os como embriagados e irresponsáveis. Aos poucos, porém, percebe-se que Mihaileanu está apenas carregando de forma proposital nas tintas da maquiagem do palhaço, para nos momentos finais revelar toda a beleza e o poder de recuperação desta cultura tão grandiosa que foi por décadas ridicularizada pela Guerra Fria, pelos donos da mídia ocidental, e pela incompetência de vários de seus próprios dirigentes políticos.
Tudo isso com um humor encantador, um ótimo ritmo de comédia, e um belo roteiro que guarda boas surpresas para o final. Indicado a quatro prêmios César (ganhou os de Som e Trilha Sonora) e ao Globo de Ouro de Melhor Filme em língua não inglesa, O Concerto é uma das melhores produções que vimos no circuito comercial brasileiro em 2010.
TRAILLER: http://cinema.uol.com.br/ultnot/multi/2010/12/09/04021C3268D4898307.jhtm
29/05/2011: ESPECIAL: GUERRA CIVIL ESPANHOLA
TERRA E LIBERDADE
Inglaterra/Espanha. 1995. Direção de Ken Loach
Tendo como pano de fundo a Revolução Espanhola, conta a história de uma jovem que encontra entre os pertences do avô falecido, um ex-revolucionário que lutou contra o fascismo de Franco, algumas cartas, recortes de jornais e um punhado de terra embrulhado num lenço. É baseado no romance Terra e Liberdade (ou Homenagem à Catalunia - em Portugal), de George Orwell (mesmo autor do livro 1984), que neste livro relata sua passagem pela Guerra civil espanhola. Destaca-se que o filme é do mesmo diretor do filme Pão e Rosas. Venceu o prémio do Júri Ecuménico no Festival de Cannes.
TRAILLER: http://www.youtube.com/watch?v=VKCOkm5wA48